Recusa ao chamado
Mesmo com a visão tolhida pela proximidade dos fatos, arrisco-me a dizer
o que saiu 100% vitorioso dessa "Rio-20". Foram as posições defendidas
abertamente pelos negociadores dos EUA --e adotadas por Índia, China e
Rússia--, de recusa a submeter seus interesses a decisões multilaterais
--uma das melhores formas para encontrar saídas para a grave crise
ambiental que ameaça o futuro do planeta.
A Europa, que durante 20 anos sustentou política e operacionalmente a
tese da primazia do multilateralismo junto com um grupo de países, entre
eles o Brasil, manteve esse discurso no Rio, mas, ao mesmo tempo,
transferiu para a burocracia diplomática o papel de subtrair dele a
imprescindível chancela da ação.
Já o Brasil optou pela renúncia à ousadia e perdeu o acanhamento em
assumir-se conservador no agir e no falar. Esse documento anódino
aprovado pode ter sido muito duro para o multilateralismo, na medida em
que lhe passa atestado de incompetência como espaço de negociação. Não
faltará quem advogue o ocaso do multilateralismo para resolver a crise
ambiental. Os resultados pífios da agenda oficial dessa lamentável
"Rio-20" devem-se à trama de interesses e de vontades que agiu
persistentemente desde a Rio 92, para que nenhuma mudança os afetem ou
possa vir a ameaçar sua hegemonia geopolítica.
Em 1992, o apelo da menina Severn Suzuki aos chefes de Estado, para que
assumissem compromissos ambientais, comoveu o mundo. Agora, a
neozelandesa Britanny Trilford foi mais incisiva: "Vocês estão aqui para
salvar suas imagens ou para nos salvar?". E mais: "Cumpram o que
prometeram". Rostos impassíveis ouvindo a crítica. Será que essa
denúncia contundente de sua inação os abala de fato?
A conferência mostrou a distância crescente entre os povos e os Estados.
O contraste não foi apenas entre as cores barulhentas da diversidade
social e as formalidades do Riocentro. Trata-se de um deslocamento que a
sociedade faz, um trânsito na civilização que não é acompanhado pelos
governos. Estes limitam-se a falar do futuro enquanto disputam o espólio
do século passado e se prestam a ser os guardiães da
insustentabilidade.
A grande decepção, infelizmente, foi a recusa do governo brasileiro em
assumir a liderança inovadora que sua condição de potência
socioambiental lhe dá, afastando-se de sua tradição diplomática na
agenda ambiental.
Ao permitir-se ser a mão que enfraqueceu o multilateralismo e reforçou
as estratégias exclusivistas dos países ricos, rendeu-se à mesma lógica
que levou ao retrocesso interno expresso no Código Florestal. Faltou
atitude aos países, e o Brasil nada fez para reverter essa situação ou
denunciá-la.
Fonte: Folha de São Paulo
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